Despedida: Caso da criança retirada à família de acolhimento
“Não sabe que já não volta”
Ela "ainda não tem consciência de que já não volta. Para a convencermos a ir com a mãe, dissemos-lhe que ia à Rússia para ver a avó e a irmã. Só peço a Deus que o que ela já sofreu com a mãe em Portugal lhe dê força para os próximos tempos que serão muito duros."Ela 'ainda não tem consciência de que já não volta. Para a convencermos a ir com a mãe, dissemos-lhe que ia à Rússia para ver a avó e a irmã. Só peço a Deus que o que ela já sofreu com a mãe em Portugal lhe dê força para os próximos tempos que serão muito duros.'
As palavras são de João Pinheiro, o homem a quem Alexandra Skilauri, de seis anos, chamou pai nos últimos quatro anos. A menina russa, como ficou conhecida, partiu ontem de manhã com destino a Moscovo, na companhia da mãe, Natália Zarubina , a quem o Tribunal da Relação de Guimarães entregou a guarda da menina.
Durante quatro anos a criança esteve aos cuidados de um casal português residente em Barcelos, de quem se despediu ontem, pensando que a separação não era definitiva. De Portugal, Alexandra leva apenas a companheira de quatro patas – a cadela Lúcia – e um álbum com fotografias de todos os colegas do colégio.
Na hora da despedida, a criança pediu ao ‘pai afectivo’ para ir a Moscovo dentro de 15 dias buscar um dos cachorros de Lúcia que está prenha. João Pinheiro acenou com a cabeça que sim. A menina sorriu e piscou um dos seus olhos azuis.
À chegada a Moscovo, mãe e filha foram recebidas por representantes dos serviços sociais e por familiares de Natália. Alexandra vai viver com a mãe para a casa humilde dos avós em Oblast, pequena aldeia na região de Yaroslavl a 300 quilómetros de Moscovo, onde já mora outra filha Natália Zarubina, Valeria, de 15 anos.
A criança não fala russo e a mãe não tem emprego, contando apenas com a promessa de que a Segurança Social russa vai acompanhar o caso.
'Se a família na Rússia precisar de dinheiro para a menina, estou disposto a mandar. Pago o que for preciso para a Xaninha não passar necessidades', disse ontem, desesperado, João Pinheiro sublinhando que quer o melhor para a menina.
Alexandra nasceu a 3 de Abril de 2003 no Hospital de São Marcos em Braga. É filha de Natália e de Georgi Tsiklauri, um ucraniano a viver em Portugal. Foi entregue ao casal de Barcelos pela própria mãe que não tinha condições para cuidar dela. Depois de ter sido detida pelo SEF numa casa de alterne, teve ordem de expulsão por se encontrar ilegal no País.
RÚSSIA GARANTE APOIO À FAMÍLIA
A embaixada da Federação da Rússia garantiu ontem, em comunicado, ter dado 'a Natália e à sua filha ajuda financeira e apoio moral'. No mesmo documento, enviado às Redacções dos meios de Comunicação Social portugueses, garante-se que 'os habitantes da povoação natal de Zarubina manifestaram o desejo de ajudar a família e a pequenina Alexandra'. O comunicado sublinha ainda que 'as perícias médicas constataram que Natália Zarubina não tem nenhuma toxicodependência.
'VAMOS A TRIBUNAL EUROPEU'
Os pais afectivos da menina russa não têm 'praticamente esperanças nenhumas' de reaver a menina, mas, mesmo assim, asseguram que não vão desistir. 'Infelizmente, isto acabou aqui, mas nós vamos continuar a lutar, se não for para mais nada, para provar ao senhor juiz que causou tudo isto que ele não tem razão', disse ao CM João Pinheiro, acrescentando: 'Vamos para Tribunal Europeu'. O advogado João Araújo apoia esta intenção e diz que, 'mesmo sem efeitos práticos, é importante em termos morais'. n S.C.
'VAI TER AULAS ESPECIAIS NA RÚSSIA' (Oleg Sotnikov, Vice-cônsul da Rússia em Lisboa)
Correio da Manhã – O Estado russo vai acompanhar a criança?
Oleg Sotnikov – Estamos a acompanhar o caso. Coube à embaixada assumir as despesas da mãe e da filha em Portugal e providenciar as viagens para Moscovo. Também na Rússia o nosso serviço de Segurança Social acompanhará este caso. São duas cidadãs russas e, por isso, é nossa função permitir que cheguem bem ao país.
– Como será na escola, uma vez que a menina não fala russo?
– Estamos a tratar para que tenha aulas especiais.
– A mãe diz que é costureira. É-lhe assegurado emprego na Rússia?
– Passará por um processo de reinserção no mercado de trabalho.
– Vão manter o contacto com a família que acolheu a menina em Barcelos?
– Sim. Mas, se quiserem viajar à Rússia, terão de pagar as viagens.
– Este é um caso inédito na embaixada em Portugal?
– Sim, mas são conhecidos problemas semelhantes com cidadãos russos em outros países.
APONTAMENTOS
CHEGADA A MOSCOVO
No aeroporto da capital russa, mãe e filha foram recebidas por representantes dos serviços sociais e por familiares de Natália Zarubina. Seguiram para Yaroslavl.
PARTIDA VIGIADA
A partida da criança foi acompanhada pelo vice-cônsul da Rússia, Oleg Sotnikov, e por um funcionário russo que manteve sempre vigilância apertada, para assegurar que o embarque de mãe e filha se cumpria.
NEGLIGÊNCIA
Em Novembro de 2005, Alexandra apresentava sinais de subnutrição e de negligência ao nível de higiene e saúde.
NOTAS
LÚCIA: CADELA FOI PARA A RÚSSIA
A cadela Lúcia, que viajou com a criança para a Rússia, vai ser, nos primeiros tempos, a principal companhia da menina. Foi prenha e com todas as vacinas em dia.
BLOGUE: 'ALEXANDRA É NOSSA'
Um movimento, criado ontem e que já tem ‘amigos’ em todo o País, está a promover um abaixo-assinado pelo regresso da menina e criou o blogue http://xaninhanossa.blogspot.com.
IGREJA: MENINA FOI BAPTIZADA
Tal como fizeram aos próprios filhos, os pais afectivos da Alexandra baptizaram-na. Miguel, filho de João Pinheiro, é o padrinho e diz esperar 'que isso a possa ajudar ao longo da vida'
Sem comentários:
Enviar um comentário